Faixa que engloba oito países vira de foco de crise de fome na África
Matéria divulgada em 11/04/2012
Uma faixa de território conhecida como Sahel, que se estende
por quase uma dezena de países abaixo do deserto do Saara, se tornou foco
potencial de uma das mais graves crises de fome da atualidade, segundo a ONU,
com o agravante de instabilidade política na região.
O Sahel, que vai do oeste ao leste da África, passando por
partes de países como Mali, Senegal, Níger, Chade, Mauritânia, Burkina Fasso,
Gâmbia e Camarões, está vivendo os efeitos de uma temporada de chuvas
especialmente fraca e irregular, que atrapalhou as colheitas e a alimentação do
gado e fez subir o preço dos alimentos, informou o Programa Mundial de Alimentos
(WFP), da ONU.
'Isso é uma receita para o desastre numa parte do mundo em que
a maioria das pessoas vive do que consegue plantar', disse o WFP, estimando que
até 15 milhões de pessoas (a soma das populações das cidades de São Paulo,
Recife e Brasília, segundo números do IBGE) possam ser afetadas pela falta aguda
de alimentos.
'Em uma região onde a taxa média de crianças com desnutrição
aguda normalmente fica perto do limite de alerta de 10%, qualquer fator que
reduza ainda mais o acesso aos alimentos pode gerar uma crise de grandes
proporções', informou comunicado da ONG Médicos Sem Fronteiras.
Tensões políticas
As secas na região têm piorado recentemente, por conta das
mudanças climáticas, diz a ONU. A situação é agravada por altas nos preços dos
combustíveis e pelas tensões políticas em países como Líbia (cujo conflito
provocou efeitos em toda a região), pelo recente golpe de Estado no Mali, pela
ação de rebeldes no Níger e de radicais islâmicos na Nigéria.
Essas tensões causam instabilidade, alteram fluxos migratórios
e prejudicam a distribuição de alimentos em áreas afetadas por conflitos.
O principal foco de tensão é o Mali, onde, após o golpe, o
presidente Amadou Toumani Touré renunciou formalmente e a junta militar em
controle prometeu a transição para um governo civil. Mas o norte do país está
parcialmente dominado por rebeldes da etnia tuaregue, que declararam a criação
de uma região autônoma. Há relatos, citados pela agência France Presse, de que
os rebeldes tenham imposto a lei islâmica (sharia) em algumas áreas e que
começam a se relacionar com o braço da Al-Qaeda no norte da África.
Segundo Stéphane Doyon, coordenador da campanha de desnutrição
da ONG Médicos Sem Fronteiras, a situação política dificulta o trabalho
humanitário. 'A maior preocupação é com o Mali. No Níger, não temos problemas de
acesso, mas a segurança está reforçada. (As tensões) podem dificultar o acesso à
população (desnutrida)', declarou à BBC Brasil.
A crise atual não é inédita na região, mas, segundo o Programa
de Alimentos da ONU, tem potencial para ser mais grave.
BBC Brasil
"Colheitas no Sahel foram menores por causa da
seca"
'Enquanto as secas de 2005 e 2010 foram sentidas
principalmente no Níger e no Chade, a crise da fome neste ano está se espalhando
por toda a região, do Chade (no centro da África) até o oceano Atlântico,
afetando oito países', disse à BBC Brasil Malek Triki, porta-voz do WFP no oeste
da África.
'Pior está por vir'
Para Stéphane Doyon, do MSF, 'é muito cedo para saber a
extensão da crise. O período de maior dificuldade, tradicionalmente entre maio e
junho, ainda está por vir'.
'No entanto, nós já prevemos que centenas de milhares de
crianças irão sofrer de desnutrição aguda severa, como sempre acontece nessa
região esta época do ano', disse ele, no comunicado da MSF.
A ONG relata ter ampliado sua atuação na região.
E o Programa Mundial de Alimentos informou estar comprando
comida de países vizinhos ao Sahel para fornecer aos famintos e faz campanha por
mais fundos.
Questionado a respeito das semelhanças entre a situação no
Sahel e a no Chifre da África (Somália e Eritreia), Triki, do WFP, disse que 'as
causas estruturais das crises de alimentação são as mesmas: os efeitos
devastadores das mudanças climáticas e a crescente incidência de secas, que
significam que a população mal tem tempo de se recuperar de uma crise e começar
a reconstruir suas reservas de comida e gado'.
'E, entre as causas humanas, temos a forte dependência da
chuva na agricultura e a falta de investimentos no plantio e no
desenvolvimento', agregou.